ÁGORA, AGORA!

Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira

Das muitas críticas que rondam a Copa do Mundo, uma delas chama a atenção. Por que só agora os protestos eclodem, às portas do mundial? Por que o povo não protestou antes?
A resposta pode estar no fato de que, primeiro o governo brasileiro disse SIM perante a FIFA e, só depois, apresentou a conta. Ou seja, o povo não foi informado, previamente, a respeito do quanto iria sofrer com a perda de suas casas ou com o valor dos estádios.
E a sensação de muitos é que se fez “graça com o chapéu alheio”, ou, ainda, que o episódio é comparável àquele no qual um “amigo da onça” vai a um restaurante, come do bom e do melhor, e deixa a conta para você pagar. O resultado é naturalmente esperado: o cidadão se sente enganado e se revolta.
Em Brasília, por exemplo, falou-se, primeiro, em reforma do Estádio Mané Garrincha, mas, após, o estádio foi DEMOLIDO, e, no seu lugar, um outro, construído, no valor que iniciou em R$ 700 milhões, pulou para R$ 1 bilhão, e, com despesas outras, sem as quais de estádio não se trataria, como cadeiras, grama, painel, cobertura, guarda-corpo e comunicação visual, chegou a R$ 1.2 bilhão, quase o dobro do inicialmente previsto. Isso para não falar das obras do entorno, alcançando mais de R$ 1.5 bilhão.
O Ministério Público no DF bem que tentou evitar esse quadro. Em 2010 e 2011, foram enviadas recomendações, para que o estádio fosse remodelado para atender 40 mil pessoas, número bem mais condizente com a realidade local e representando menor gasto de dinheiro público. Sem ser atendido, ajuizou ação civil pública, mas a decisão judicial permitiu a continuidade das obras, em razão, também, dos “previsíveis prejuízos à nação brasileira em face da sua imagem perante a comunidade internacional ante o fiasco contra o qual é desejável prevenir”.   
Além disso, o Ministério Público de Contas questionou opções que tornaram a obra bem mais cara, como no caso da cobertura do estádio, mas se entendeu que o gestor tem poder discricionário para exercer essas escolhas.
O resultado aponta, agora, para um suposto superfaturamento de quase R$ 500 milhões de reais, segundo o TCDF, em relatório preliminar. Seja então qual for o placar dos jogos, Brasília pode perder com o Mundial.
O episódio fez recordar, então, um fato que aconteceu, há mais de 20 anos, quando foi anunciada a intenção de realizar as Olimpíadas do ano 2000 na Capital, utilizando-se um projeto, doado pela iniciativa privada, e que transformaria a cidade num verdadeiro canteiro de obras. O anúncio fez o Ministério Público de Contas defender que, antes do Governo empenhar a sua palavra perante o Comitê Olímpico, precisaria demonstrar a razoabilidade do projeto e dos gastos. O que o MP fez foi simplesmente cobrar que a Constituição Federal fosse respeitada e a despesa pública atendesse aos princípios da economicidade e da legitimidade. O fato soou inusitado, ousado mesmo. Hoje, contudo, repassando racionalmente os tristes episódios que rondam a Copa do Mundo, vê-se que a solução é a mais acertada.
Estamos num raro momento que deságua no debate acerca da utilização dos controles como filtros para decisões políticas.
O que é a democracia senão o governo do povo, pelo povo e para o povo?
Se é assim, não parece democrático e nem republicano que um agente público paute suas decisões sem compromisso com a opinião do povo que ele representa.
  A Lei 8666/93, artigo 39, exige audiência pública prévia à licitação para gastos que superem determinado valor. Por que se imaginar que R$ 33 bilhões (como os gastos da Copa, segundo o TCU) não devem merecer o mesmo tratamento? Ou seja, por que, em situações como essa, o SIM dado pelos governos não deve ser submetido previamente a audiências públicas?
O povo tem o direito de saber para onde devem ir os recursos dos impostos, arrecadados a partir da contribuição e do esforço de todos. E o bom gestor certamente não governa sozinho, devendo, antes de mais nada, saber ouvir.
Que o exemplo da Copa do Mundo chame a atenção do Brasil de que não é possível mais aguentar gastos como os ocorridos sem que PREVIAMENTE se dê a chance de se conhecer, detalhadamente, como os recursos públicos serão empregados. Além de transparência, isso quer dizer planejamento.
É preciso que o Poder Legislativo, então, se sensibilize com as manifestações da Nação brasileira e promova alteração legislativa, determinando que as audiências públicas ocorram, nesses casos e, ainda, para despesas não essenciais, como shows e eventos esportivos, revendo os valores de corte, pois, muitas vezes, gastos do tipo, considerados isoladamente, acabam excluídos do debate.
Esse é o sistema de freios e contrapesos que se espera de um regime democrático.
Não podemos imaginar que o controle social seja pautado apenas por palavras de ordem que se esvaem num discurso surdo.
Queremos a Ágora do século XXI. Agora.

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